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Greve de caminhoneiros colocou Petrobras em xeque e expôs dependência rodoviária
20/12/2018 07:35 em Novidades

Como a dependência do transporte rodoviário e a insatisfação com a classe política causaram a paralisação que afetou a economia, fortaleceu o discurso conservador e privatista e fez o governo acionar a Força Nacional

 

O ano de 2018 foi marcado, entre o final de maio e o início de junho, pela greve dos caminhoneiros, movimento que paralisou estradas, esvaziou prateleiras de mercados e demonstrou a insatisfação da categoria de caminhoneiros com a nova política de preços da Petrobras , definida pelo governo do presidente Michel Temer (MDB), além de trazer críticas a todo o sistema político.

 

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Iniciada em julho de 2017, a nova política tinha como objetivo principal acompanhar a oscilação internacional dos preços do petróleo. Liderada por Pedro Parente, a Petrobras entendia que o ideal para recuperar a confiança dos investidores após perdas durante o governo Dilma Rousseff (PT) , quando os preços eram controlados, seria passar a adotar uma política de teor liberal, que alinhasse o Brasil às práticas comuns do setor privado internacional. A ideia não agradou e, menos de um ano após sua adoção, ela acabou sendo um dos estopins para a  greve dos caminhoneiros .

 

O que se viu, na prática, foi um aumento acumulado superior a 50% no preço dos combustíveis no Brasil em um período de 10 meses. A retrospectiva 2018 sobre a greve e os combustíveis mostra que, a curto prazo, a medida de seguir o mercado internacional não se mostrou efetiva e ajudou a construir a crise que desencadeou a paralisação dos caminhoneiros.

 

Para a economia, a paralisação teve grande impacto nos resultados anuais. O Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens produzidos no País em dado período, chegou a ter crescimento projetado de até 3%, mas acabou recalculado para 1,3%. Na última semana, Temer afirmou que a greve impediu que o crescimento chegasse a 3,5% , um valor nunca antes projetado, seja pelo governo ou o mercado financeiro.  

 

Entre 2008 e 2014, as variações internacionais do preço do petróleo não refletiam nos preços nacionais do combustível. Foi dessa forma que as administrações petistas de Lula e Dilma Rousseff puderam conter as pressões inflacionárias e não repassar os aumentos aos consumidores finais com frequência e a intensidade vista após a adoção de uma política liberal.

 

A professora Marcia Fleire Pedroza, do Departamento de Economia da PUC-SP,  explica que o preço se manteve sempre abaixo do mercado internacional e dos custos nacionais para, assim, conter a inflação. "Em 2016, a Petrobras mudou assim que Pedro Parente assumiu e o valor do diesel e da gasolina passa a acompanhar o mercado internacional, o que onerou e muito o preço do combustível”, relembra.

 

Marcia analisa, ainda, o porquê de a política mais liberal ter resultado no aumento no preço dos combustíveis . “Quando se atrela a política de preço às políticas internacionais, as variações são em cima de moedas internacionais. Não só o petróleo aumentou em termos internacionais como também o real se desvalorizou frente ao dólar. Então, por consequência, os preços são repassados para o preço nacional quando você usa essa política.”

 

Dependência das rodovias foi uma das causas da greve dos caminhoneiros

 Retrospectiva 2018: dependência do transporte rodoviário possibilitou que greve dos caminhoneiros tornasse o país refém

Edson Lopes Jr/A2AD

Retrospectiva 2018: dependência do transporte rodoviário possibilitou que greve dos caminhoneiros tornasse o país refém

O Brasil é um dos países mais dependentes de rodovias no mundo. Ao todo, 58% de suas mercadorias são distribuídas por meio delas por todo o território nacional, segundo dados do Banco Mundial. No caso específico dos combustíveis derivados do petróleo, chega a 90% o total da produção que depende do transporte rodoviário para escoar.

 

Os caminhoneiros são a categoria capaz de tornar uma das maiores economias do mundo refém de seus anseios, como foi exposto com as paralisações e suas consequências para a economia nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, 43% do transporte do país é feito por meio de rodovias.

 

Não bastasse a dependência, as rodovias brasileiras possuem malha limitada e problemática, de apenas 211 mil quilômetros. Novamente usando os americanos como comparação, em um território menor, as estradas abrangem mais de 4,3 milhões de quilômetros. Outro problema brasileiro é o crescimento exponencial da oferta nos últimos anos. Entre 2001 e 2016, a frota de caminhões cresceu 84%. Estimava-se que, há dois anos, havia um excedente de 200 mil veículos transportadores no País.

 

O excesso de caminhões e a redução da circulação de cargas, uma consequência da recessão dos últimos anos, fez cair o preço dos fretes, prejudicando as companhias de transporte e, evidentemente, os caminhoneiros. Quando a economia voltava a mostrar sinais de crescimento, a elevação do preço do diesel frustrou as expectativas dos caminhoneiros, que então passaram a se unir como classe e protestar, sabendo do poder de alcance que poderiam ter – e tiveram.

 

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